01/09/2021 | Edição AR112

As exportações do agro estão quebrando recordes todos os meses

Redação Agrimotor

Redação Agrimotor

Muita lição de casa ainda precisa ser feita para acelerar o desenvolvimento do agronegócio brasileiro. Mas a boa notícia é que o setor privado pode turbinar (e muito) esse processo.

Marcus Frediani

Embora algumas culturas tenham apresentado resultados que podem ser considerados bons, a última safra agrícola brasileira ficou aquém da sua previsão inicial, em função de problemas diversos e bastante conhecidos pelos operadores do setor. Nesse cenário, entretanto (e felizmente), as exportações voltaram a sobressair, repetindo uma dinâmica de crescimento mês a mês, que nem a pandemia do novo coronavírus conseguiu refrear. E um novo recorde delas é esperado até o final de 2021.

Contudo, há riscos no horizonte, principalmente derivados de inconsistências na tratativa do atual governo de problemas de cunho internacional, que o atual governo parece insistir em ignorar, não fazendo o que precisa ser feito para evitá-los. Além disso, no âmbito doméstico, existem posturas anacrônicas da parte dos operadores do agronegócio que precisam ser urgentemente revistas, a fim de garantir a continuidade de seu desenvolvimento.

Carlos Cogo

Nesta entrevista exclusiva à Revista Agrimotor – que, na verdade, é uma verdadeira aula de estratégia, bom senso e, sobretudo, de vislumbre de soluções factíveis –, o consultor de mercado Carlos Cogo, da Cogo Inteligência em Agronegócio, de Porto Alegre/RS, profissional referência no setor com mais de 30 anos de experiência no segmento, aborda temas importantíssimos relacionados ao cenário atual e às perspectivas para o setor. Por isso, recomendamos a leitura atenta de cada um dos tópicos nela expostos, com muita clareza e objetividade.

Agrimotor: Carlos, qual é a sua avaliação sobre o desempenho do agronegócio brasileiro ao longo do 1º semestre de 2021? A pandemia da COVID-19 impactou de forma sensível o setor?
Carlos Cogo:
Dizer que não houve impacto seria faltar com a verdade. Houve impactos relacionados ao fornecimento de insumos e à importação de fertilizantes e de defensivos agrícolas, que continuam enfrentando problemas de frete marítimo e, também, de abastecimento no mercado interno. E a situação ainda não foi corrigida. Contudo, não se pode dizer também que isso vai ter ou não interferência no plantio da próxima safra. Em minha opinião, não haverá grandes problemas. Com relação à safra atual, tivemos uma queda na previsão inicial, que era de colher 276 milhões de toneladas, e acabamos ficando perto de 252 milhões de toneladas, principalmente em função dos problemas bastante conhecidos relacionados à safra do milho – como geadas e estiagem –, que ficou 18% abaixo da última.

Fora o milho, como foi o desempenho das outras principais culturas?
As demais culturas tiveram um desempenho bom. A safra da soja foi recorde, com algo em torno de 135/136 milhões de toneladas. O arroz manteve uma cifra estável, assim como o feijão. Enquanto isso, estamos esperando um aumento da safra do trigo também, que vai ser colhida a partir de setembro. No ano passado, tivemos problemas de clima, que se repetiu no começo deste ano também, como geadas e frio, mas a perspectiva é bastante positiva: nossa projeção é de que teremos uma safra de 38% maior do que a do ano passado, batendo em algo em torno de 8,6 milhões de toneladas. E tais problemas também prejudicaram a safra de café e a de cana-de-açúcar, pegando-as no final do processo de colheita e, no caso da cana, em especial, no momento pleno da moagem. Então, essas duas últimas devem ter redução em relação ao ano passado.

Nesse cenário, as exportações continuaram sendo destaque?
Sem dúvida alguma. As exportações estão quebrando recordes todos os meses. De janeiro a julho, a gente exportou US$ 72,8 bilhões em produtos do agronegócio, 20% acima do mesmo período do ano passado, o que significou um recorde para o período de janeiro a julho, e recorde também no período dos últimos quatro a cinco meses. E esses recordes mês a mês, em nossa previsão, deverão continuar a ser batidos até o final de 2021: deveremos fechar o ano com exportações da ordem de US$ 121 bilhões, que vai ser recorde também.

E como fica o cenário das cotações internacionais e dos preços no mercado interno?
A tendência é de cotações futuras sustentadas em patamares elevados para soja, milho, trigo e algodão na temporada 2021/2022. A redução das estimativas de produção de soja, milho, trigo e algodão nos Estados Unidos reforça a tendência de sustentação das cotações futuras. No mercado interno, os preços deverão seguir em patamares elevados em 2022 para soja, milho, trigo e algodão. Para o arroz e feijão, as cotações em 2022 oscilarão conforme as condições climáticas, o câmbio e o consumo.

E isso significa que continuaremos a ter mais aumentos de preços?
Sim, a tendência é de preços elevados dos produtos agrícolas no Brasil ao longo de 2022. Mas, na verdade, creio que boa parte desses aumentos já ocorreram. Daqui para a frente, a gente ainda poderá ter alguns aumentos de preços, por exemplo, na área de soja e de seus derivados, como o óleo e o farelo. O milho também pode subir até o final do ano. Então, podemos ter aumento, sim, notadamente ligados à questão de dólar, que agora está voltando a subir. Como as safras foram menores do que o esperado, e os preços tanto lá fora quanto aqui dentro que continuam altos, essa é uma forte tendência, porque ambas as coisas estão acontecendo juntas. Em outras palavras, isso quer dizer que a situação dos aumentos de preços não é doméstica – ou seja exclusivamente brasileira – mas, sim, internacional.

E como você avalia os riscos internacionais ao longo deste próximo semestre?
O principal risco que nós vamos enfrentar a partir de agora são barreiras comerciais. A gente está sendo acusado de problemas de proteção do bioma, de queimadas, de desmatamento, e, em algum momento, a mudança de governo nos Estados Unidos pode trazer um impacto negativo aqui. E o pior é que não temos dado a resposta correta ao mercado, não temos tomado as atitudes necessárias para controlar esses problemas. E como  as ações do atual governo não têm sido suficientes para minimizar tais impactos, em algum momento o agronegócio brasileiro pode ter problemas não só relacionados aos Estados Unidos, como também com os países aliados aos EUA, que também vêm fazendo o mesmo tipo de críticas – principalmente do eixo Estados Unidos-União Europeia, respectivamente o segundo e o terceiro maior comprador do agronegócio brasileiro depois da China –, a ampliação destas pode, sim, se transformar em barreiras comerciais.

Nesse balaio, você vê riscos com a China?
Bem, estamos criando todos os tipos de problemas possíveis para arrumar encrenca com os chineses. Não estamos conseguindo “ainda”, mas estamos fazendo bastante esforço nesse sentido. A postura do governo é muito ruim. Contudo, como a China ainda tem um problema grave de abastecimento interno, e vem importando grandes volumes de carne e de grãos da gente – lembrando que o maior supridor desses produtos à China não são os Estados Unidos e, sim, o Brasil –, por enquanto não há nenhum sinal negativo vindo de lá. Porém, se continuarmos a cutucar a onça com vara curta, em algum momento ela vai reagir: é o gatinho brincando com o leão. Afinal, estamos falando de um país que compra 40% de tudo que a gente exporta do agronegócio. Então, não é uma boa ideia a gente continuar agindo dessa forma.

Ou seja, a postura atual do governo está na iminência de estragar tudo no futuro?
Na verdade, não. Não vejo grandes problemas pela frente. Não vejo ameaças, porque o agronegócio brasileiro precisa cada vez menos do governo. Então, se o governo se limitar a não criar coisas como aquelas que a Argentina criou, tais como cotas e imposto de exportação de produtos agrícolas. Já não existe mais tanto dinheiro do governo no agronegócio: há muito mais do setor privado. Então, se o governo não criar problemas já será o suficiente. Mas, é claro, se ele puder ajudar, não criando entraves diplomáticos com outros países, isso também vai ajudar bastante.

E acerca das propaladas benesses, tais como os financiamentos governamentais de auxílio à safra o Seguro Rural? Podemos considerar incentivos como esses satisfatórios para agronegócio brasileiro no futuro?
Sim, serão satisfatórios. A criação de novos instrumentos como o CRA, LCA, CPR digital, a nova lei do agro e esse fundo de investimento do agronegócio, o FIAGRO, todos esses instrumentos vão ser bem-vindos para ajudar a financiar o agronegócio, e também ajudarão o setor a desmamar do setor público. Isso tudo está sendo muito bom, e vai ser melhor ainda no futuro, principalmente quando a gente passar essa fase de aumento da Selic, e essas taxas voltarem a cair, e quando os juros do setor privado também voltarem a ficar competitivos.

Nesse sentido, com relação à questão de novas oportunidades, quais as áreas deverão despertar maior interesse dos investidores estrangeiros?
Bem, esse é um problema realmente grave. A discussão vem sendo essa: está chegando muito investimento estrangeiro, mas ainda muito restrito, com dotação ligada basicamente à infraestrutura e à logística, tais como em rodovias, ferrovias, hidrovias etc. E, seguramente, o volume desse tipo de investimento poderia ter muito maior, se houvesse um pouco mais de segurança jurídica e institucional no Brasil.

Mas mesmo “restritos”, como você diz, tais investimentos não poderiam contribuir – e muito – para minimizar problemas como o do desperdício no agronegócio, que ainda é enorme?
Sem dúvida, nossa logística de escoamento é deficitária, a questão da concentração de poucos portos é um problema, a falta de ferrovia é outro problema. Mas esse é só um dos problemas, em meio a tantos outros. Um destes, por exemplo, é a falta de estrutura de armazenagem. O Brasil não tem estrutura para armazenar a safra inteira. Outro gravíssimo é a falta de investimento em irrigação: hoje, irrigamos muito pouco nossas áreas de produção. Então, temos um leque muito grande de problemas prioritários para resolver, o que equivale dizer que não podemos deixar tudo na mão do governo, mas temos e podemos resolver com a mão do setor privado.

Quer dizer, o setor privado pode ser a tábua de salvação do agronegócio brasileiro.
Com certeza. Aliás, nem poderia ser diferente: esses investimentos nem têm como vir do governo, porque este não tem mais como investir.

E aí, voltamos àqueles entraves sobre os quais falamos há pouco.
Sim. E o maior de todos ainda é o institucional. A gente tem que melhorar nossa imagem lá fora, o Brasil é um agroexportador, porque não consegue absorver o que produz. Então, a sobrevivência do agro é a exportação. Não falta produto aqui dentro, nunca faltou e nem vai faltar. Só que para exportar, a gente tem que cumprir as regras internacionais. E é isso que está faltando: fazer a nossa parte, cumprindo o Acordo do Clima, nos debruçando com seriedade sobre a questão da preservação do bioma, cuidando da Amazônia e do Pantanal, fazendo tudo aquilo que não estamos fazendo.

Muita gente, entretanto, se incomoda e faz duras críticas ao fato de o Brasil estar se transformando – ou, eventualmente, já ter se transformado – em um país de matriz eminentemente agrícola, em detrimento, por exemplo, de sua atividade industrial, cuja participação no PIB brasileiro vem decaindo ano a ano. Como você responderia a essas críticas?
Eu responderia assim: se eu estivesse em Cingapura, estaria preocupado, porque não teria espaço para fazer o que eu faço. Agora, estando no Brasil, a maior reserva de água doce do planeta, eu acho que a gente tem que tirar benefício do que temos de potencial, e não o contrário, cumprindo as legislações e as regras internacionais. Claro, vamos estar expostos a oscilações, volatilidades, câmbio, preço de commodities internacionais, mas qual a diferença de depender de minério de ferro ou de soja? Todos os setores de mercado, inclusive a indústria, estão sujeitos a instabilidades no âmbito global. Então, essa discussão não “cola” e nem bate. A própria estrutura física do país de ter rio, de ter oferta de água, de ter território, de ter pastagem para transformar em agricultura, tudo isso não só atesta, como contribui para nossa vocação agrícola. Assim, acredito que temos que aproveitar nosso potencial agrícola ao máximo, não deixando de usufrui-lo, mas, claro, respeitando a ordem das coisas, e corrigindo o que está sendo mal feito para aumentar os nossos níveis de acerto.

Em outras palavras, a gente não tem que ter receio de ser bom naquilo que é bom.
É isso! E, ao contrário do que a maioria desses críticos fala, estamos melhorando a nossa eficiência naquilo que a gente é bom. E é isso que tem que ser feito, aumentando a digitalização no campo, utilizando tecnologia a nosso favor para melhorar os fatores de produção e incrementar a produtividade, e por aí vai. E nada impede que a evolução do processo de industrialização do país corra em paralelo com a evolução do agronegócio. Aliás, isso tem que ser política de Estado. O governo tem que criar condições tributárias, fiscais e tudo mais para que isso aconteça. Não adianta você simplesmente dizer “Ah, agora eu vou transferir a produção da China para o Brasil”, porque não temos mão de obra qualificada para isso, com um enorme contingente de pessoas que não têm nem o ensino médio. Temos uma legião de gente, milhões de brasileiros desempregados, porque eles não têm qualificação. A situação do emprego no Brasil piorou muito a partir de 2013, quando o governo jogou dinheiro a rodo no mercado, via BNDES, e todo mundo estava empregado, com um salário relativamente melhor do que tinha antes, mas porque não havia mão de obra no mercado, e se contratava qualquer pessoa com qualquer instrução para fazer qualquer coisa. Isso não existe mais, o pleno emprego acabou no Brasil. O sonho de consumo de 2013-2014 acabou.

Contudo, felizmente temos visto muitas iniciativas no sentido de melhorar o quadro da capacitação profissional. Como você avalia a qualidade delas?
É boa, não é ruim, não. Essas iniciativas, principalmente difundidas pelo setor privado, que está assumindo esse papel, estão fazendo isso, há muito tempo, levando instrução e treinamento ao trabalhador. Mas instituições como o SESI e o SENAI, por exemplo, precisariam de um apoio melhor para oferecer qualificação para as pessoas trabalharem em um patamar mais elevado, capacitando-as a operar máquinas mais modernas, que usam controle por aplicativos, estações remotas, pulverizadores, tratores, drones e todo arsenal tecnológico já disponível na agricultura. Porque se não houver mão de obra mais qualificada, essas pessoas vão continuar fora do mercado. E o setor do agronegócio brasileiro pelo menos para o último censo ainda é um setor envelhecido, que carece de uma renovação. Só que isso vai acontecendo lentamente, não acontece do dia para a noite, entende? A gente vai ter que esperar um tempo ainda para ver isso acontecer de fato. E quando acontecer, até em função do fato de que a rentabilidade do negócio vai crescer, isso vai atrair mais gente para o agronegócio. Por exemplo, a sucessão familiar no campo vai se tornar cada vez mais frequente, com os filhos dos agricultores e pecuaristas querendo se qualificar, fazendo cursos de Agronomia, Zootecnia e Economia para perpetuar o negócio. Mas, não tem magia: só o tempo e o esforço vão resolver isso.

Mas o duro é exatamente isso: ver que esse processo, hoje em dia, está sendo atrasado, porque estão faltando recursos até para a pesquisa, não é mesmo?
Sim. Aí está faltando dinheiro mesmo. É o caso de instituições como a Embrapa, por exemplo, O Brasil ganhou muito com a pesquisa agropecuária com a Embrapa. Só que esses órgãos todos, agora, em função da falta de recursos e de investimentos em pesquisa, estão perdendo talentos, porque o pessoal está indo para o setor privado, o que é muito ruim. A Embrapa foi o nosso coração de crescimento, nosso pulmão, mas, infelizmente, está acabando, o que é uma pena. E a turma só vai se dar conta disso tudo quando começar a não aparecer o resultado das inovações no campo.

Além do encolhimento da pesquisa, outro problema sério para o agronegócio brasileiro, que vem sendo muito citado ultimamente, é o ainda baixo nível da conectividade no campo. Como você analisa essa questão?
Sem dúvida, esse é um entrave e um desafio persistente que enfrentamos. O Brasil é um dos países com menor cobertura do mundo em termos de agricultura. Praticamente 69% de nossa área agrícolas total não têm 2G, 3G e muito menos 4G. Esse é um problema grave, que acaba freando o agronegócio do maquinário de grande porte, de telemetria, da expansão de máquinas mais modernas, de digitalização no campo, de trator, colheitadeira, de tudo. E ele não vai se resolver no curto prazo, muito menos pela mão do governo, mas também apenas por meio da intervenção do setor privado.

Redação Agrimotor

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