Novas oportunidades em termos de resultados e de investimentos encontram-se necessariamente relacionadas a ações capazes de agregar valor à produção.
Marcus Frediani
Sem dúvida alguma, o agronegócio brasileiro não está saindo ileso dos impactos da pandemia da COVID-19. Mas, como quem é do ramo sabe, ao contrário do que o cidadão comum possa pensar, o grande vilão da última safra – embora tenha se abatido de maneira incisiva especialmente sobre o consumo da população – não foi exatamente o novo coronavírus, mas, muito mais as condições adversas do clima, com secas e geadas que fizeram a produção de diversas commodities despencar em níveis variáveis. E, nesse cenário, no qual custos de produção e preços – relacionados, por exemplo, ao aumento explosivo do frete marítimo para as exportações, bem como à perspectiva de aumento de produção nos países competidores do Brasil – ainda vêm oscilando consideravelmente, a tecnologia foi e continua sendo a grande aliada para “segurar a onda”, e evitar perdas maiores.
Porém, na equação do nosso agro, entre as incógnitas que se manifestam em relação ao futuro, vencer desafios internos e externos continua também sendo uma constante, cujo estudo e a necessidade de providências demandam atenção redobrada. Nesta entrevista exclusiva à Revista AgriMotor, Plinio Nastari, doutor em Economia Agrícola e presidente da consultoria DATAGRO, uma das mais renomadas consultorias especializadas no setor, dá mais uma aula sobre esses temas. E mais do que apontar problemas, ele, sabiamente, destrinça soluções. Acompanhe!
AgriMotor: Plinio, quais foram os resultados da última safra da soja e do milho, e os principais fatores que influenciaram esses resultados?
Plinio Nastari: Pelo 14º ano seguido, o Brasil bateu o recorde de área cultivada de soja, que subiu para 39,1 milhões de hectares, 4% a mais do que a anterior. O mesmo acontece com a safra, que aumentou 7%, para 137 milhões de toneladas. Contribuíram para esse resultado o clima – que, no geral, foi favorável, com La Niña de média e forte intensidade, equilibrado pela temperatura do Atlântico Sul abaixo da média – e o bom nível tecnológico no campo, apesar dos custos de produção maiores. Já no que diz respeito ao milho, a área de verão cresceu 1%, para 4,4 milhões de hectares, porém, a produção despencou 5%, para 24,9 milhões de toneladas, após as perdas em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul. Por sua vez, a área de inverno, apesar de ter registrado um aumento de 6%, para 15,6 milhões de hectares, registrou uma perda de produção de 22%, caindo para 62,74 milhões de toneladas, em função das secas e geadas. No cômputo geral para esse grão, o país bateu um recorde com 20 milhões de hectares de área cultivada (+5%), mas com a produção caindo para 87,65 milhões de toneladas (-18%).
A última safra da cana-de-açúcar também foi bastante impactada, não é mesmo?
É verdade. No Centro-Sul, a produção foi impactada por dois anos consecutivos de seca, mais três geadas em julho deste ano, com redução de 605,5 milhões de toneladas em 20/21, para 530,5 milhões de toneladas em 21/22. Com isso, a produção de açúcar na região caiu de 38,5 milhões de toneladas em 20/21, para 32,8 milhões de toneladas em 21/22. Por sua vez, a produção de etanol na região Centro-Sul despencou de 30,36 bilhões de litros em 20/21, para 27,67 bilhões de litros em 21/22, já incluindo nessa redução o aumento na produção de etanol de milho de 2,57 para 3,32 bilhões de litros, entre 20/21 e 21/22. A única notícia razoavelmente boa vem da região Norte-Nordeste, a moagem de cana deve crescer ligeiramente, de 52,01 para 52,5 milhões de tons, entre 20/21 e 21/22.
E como foi o comportamento dos preços dessas commodities desde então? Está havendo muita oscilação?
De uma forma geral, os preços têm se mantido atrativos aos produtores pela combinação de preços mais elevados no exterior e a desvalorização do real frente ao dólar. O cenário atual é de suporte por firme demanda geral, melhora na logística dos portos brasileiros, prêmios altos nos Estados Unidos, e, ainda, de pressão por alta nos fretes marítimos, com média em 2021 bem acima de 2020. No Porto de Santos, o preço da soja evolui para R$ 173 por saca, enquanto o do milho subiu para R$ 105 por saca.
Em termos de projeções, quais são as principais ameaças que nosso agro deve enfrentar a partir de agora?
Elas estão relacionadas à citada questão do aumento explosivo do frete marítimo, que praticamente triplicou em um ano entre Santos e os portos da China, o principal destino de nossas exportações. Em segundo plano, o clima desfavorável, com tempo muito seco por conta de dois anos consecutivos de anomalias relacionadas ao fenômeno do La Niña. Complementarmente, também preocupa a perspectiva de aumento de produção nos países competidores do Brasil, em reação aos preços mais elevados.
Tendo esse panorama como pano de fundo, como você avalia a perspectiva de novas oportunidades de investimentos? E, em que áreas?Novas oportunidades de investimentos encontram-se necessariamente relacionadas a ações capazes de agregar valor à produção, e que levem à descarbonização da cadeia de produção e comercialização. Podemos citar oportunidades para o avanço no esmagamento de soja para a produção de farelo e óleo, e sua transformação em biodiesel, em HVO (o chamado “diesel verde”) e em bioquerosene de aviação, bem como a industrialização do milho para produção de etanol, DDG (grão seco por destilação) e óleo.
Tais ações transformam os grãos em produtos de maior valor agregado, correto?
Sim. E, além disso, oferecem a possibilidade de sua conversão em proteína animal, intensificando a atividade agropecuária, e permitindo a transformação de áreas de pastagem em áreas de produção agrícola. Outra oportunidade, está ainda relacionada à biodigestão de resíduos orgânicos para a produção de biogás e biometano, que pode substituir o óleo diesel em atividades de plantio, colheita e transporte, e alavancar a produção de bioeletricidade, que pode ser usada para a produção de hidrogênio verde, e sua conversão em amônia verde, substituindo os fertilizantes nitrogenados de origem fóssil.
Aliás, o tema da sustentabilidade ligado à produção de energias alternativas será o grande destaque da 21ª Conferência Internacional DATAGRO sobre Açúcar e Etanol, na segunda quinzena de outubro, cujos preparativos, portanto, vocês devem estar finalizando agora, não é mesmo?
Verdade. O evento – que, pela primeira vez, será realizado em um formato híbrido, presencial para convidados, com transmissão online – reunirá as maiores autoridades no assunto, entre eles, palestrantes de renome mundial, selecionados cuidadosamente para transmitir o que há de melhor e mais atualizado sobre o mercado. E o tema tem tudo a ver com o que você acaba de mencionar: “Na Rota da Mobilidade Sustentável”. A edição deste ano, que acontecerá nos dias 25 e 26 de outubro, abordará questões importantíssimas para o cenário econômico atual, tais como investimentos em motorizações avançadas e mitigação do aquecimento global; programas de incentivo como Proconve, Rota2030 e RenovaBio; valorização do etanol como energia para transporte; integração cana-milho; novas fontes de financiamento (como o FIAGRO); perspectivas de produção e balanço, oferta e demanda de açúcar e etanol no Brasil nas safras 2021/22 e 2022/23; e diversificação no setor sucroenergético, entre outras de igual relevância. A programação completa e o link para as inscrições, que ainda estão abertas, podem ser encontrados no endereço https://conferences.datagro.com/eventos/21-conferencia-internacional-datagro/.
Sem dúvida, será um encontro importantíssimo, com discussões bastante produtivas. Tanto que vocês já realizaram uma prévia dele, no início de agosto. Como você sentiu o “clima” desse warm-up?
Sim, no dia 11 de agosto, promovemos um webinário com o tema “A 4ª Onda de Expansão do Setor Sucroenergético”, reunindo o diretor da DATAGRO, Guilherme Nastari; Rogério Martins, diretor do fundo de investimento Amerra; e José Bolivar, diretor do grupo Japungu Agroindustrial, no qual foi apresentada uma perspectiva muito positiva de retomada dos investimentos na área. Em suas respectivas falas, os palestrantes assinalaram que o segmento brasileiro da cana é o que melhor expressa globalmente a sadia combinação de agricultura alimentar e energética ao gerar, a partir dessa uma matéria-prima, alimentos (o açúcar), biocombustíveis (o etanol) e a bioeletricidade (energia elétrica), entre outros benefícios. E eles ressaltaram ainda que, diferentemente de outros países, no Brasil não existe competição por área entre produção de alimentos e energia, devido aos constantes ganhos de produtividade do agro nacional e a complementaridade entre diversas culturas. Em síntese, os participantes salientaram que o segmento passa por um período de novo arranque, que deverá ser marcado, sobretudo pela reativação de operações que estavam paradas e por um movimento de fusões e aquisições.
Foi ventilada nesse encontro alguma perspectiva sobre a implantação de novos projetos de retomada, como, por exemplo, no segmento dos greenfields, nos quais os investidores colocam seus recursos na construção da estrutura necessária para a operação do agro?
Esse tema também fez parte das discussões do webinário, sim. Porém, essa implantação, por hora, ainda permanece descartada, em função da exigência de altos investimentos. Na mesma linha, foi mencionado que um ponto que merece atenção neste momento de retomada é o custo de arrendamento de terras, que continua se mostrando elevado. O destaque positivo, entretanto, foi acentuado também que a agenda ambiental ganhou força na tomada de decisão de investidores interessados no agronegócio e que, neste aspecto, o segmento sucroenergético está bem posicionado pelos investimentos nas ações de ESG. Assim, no que diz respeito a crédito, os palestrantes do webinário foram unânimes em sublinhar que, pela sua grandeza, perspectivas e necessidade de recursos, o agro caminha em direção a fontes do mercado privado, e que a maior demanda é por financiamento de longo prazo.