No quebra-cabeças do agronegócio, lideranças e operadores precisam parar de catar suas peças particulares e passar a jogar juntos para o desenvolvimento e o bem do setor.
Marcus Frediani
O Brasil vive um delicado momento político e, por extensão, econômico também. E o agro brasileiro apesar dos excelentes resultados que vem apresentando, não está livre dos nefastos impactos desse jogo de perde-perde. Esse insight cirúrgico e, portanto, preciso, faz parte do pensamento do mestre e doutor em Ciências da Educação, jornalista, publicitário, palestrante, escritor e sócio-diretor da Biomarketing, agência de comunicação e marketing focada no agronegócio, José Luiz Tejon.
Nesta entrevista exclusiva à Revista AgriMotor, com bom senso e clareza inabaláveis, o profissional – que é referência nacional e internacional no tema – não só desnuda os principais fatores e problemas que rondam esse impasse, como também dá preciosas pistas sobre como encontrar soluções para reverter esse cenário difuso e extremamente complicado. Confira!
AgriMotor: Tejon, o Brasil de hoje vive um cenário marcado por acusações mútuas e pelo embate ideológico nada saudável – e aparentemente improdutivo – entre forças políticas polarizadas e muito divergentes, que está gerando muito mais calor do que luz. Em que medida esse conflito vem impactando a atividade e o desenvolvimento do nosso agronegócio?
Bem, de saída, para mim isso deixa bem claro que velhas fórmulas de direita e de esquerda não funcionam e nem funcionarão mais. A economia de conflitos não ajuda e, além de acentuar discórdias em posições de negociação – já naturais na competição clássica –, ainda criam inimigos onde não precisamos, com envolvimentos de ordem religiosa, política partidária e ideológica. Eu diria que a gestão de qualquer atividade com impactos (e sendo impactada internacionalmente) exige uma diplomacia de resultados.
Em face a tais constatações, quais seriam, em sua opinião, as exigências para que possamos construir um futuro mais promissor?
O novo futuro exigirá uma sociedade civil organizada, que caminhe ao lado de governos para que tenhamos um planejamento estratégico, regulamentação e zeladoria das causas públicas premiando políticas de Estado com padrões muito acima das guerras eleitoreiras, em que a compra de votos passa por manipulação das massas e pela manutenção de um terrível “golpe no estado de espírito do país”. O Renovabio, por exemplo, é um início do que precisa ser feito em todas as cadeias produtivas do agro.
Muito em função disso, o Brasil também tem sido alvo frequente de uma série de críticas no âmbito internacional, que, além de prejudicar a nossa imagem no âmbito planetário, tem redundado em constantes ameaças e, efetivamente em ações concretas , tais como boicotes e criação de barreiras comerciais aos produtos do nosso agro lá fora. Como você analisa esse cenário?
Temos muita coisa positiva e saudável que fica submersa perante os ilícitos. Temos exemplos de uma agropecuária alinhada ao padrão das mais altas exigências internacionais, inclusive aquelas de sustentabilidade. Mas isso não aflora. Não fica percebido. Pelo contrário, os 5% de ilegais dominam as cenas das percepções internacionais. Temos carências de estratégia de marketing e comunicação. E, logicamente, os ilícitos precisam ser inapelavelmente combatidos.
E o que é necessário para que consigamos alcançar esse estágio virtuoso?
Precisamos de uma central de inteligência de planejamento e marketing do agro brasileiro para o mundo e para a sociedade urbana brasileira. Ele envolve indústria, comércio e serviços que representam 74% de todo montante e da soma total do agribusiness nacional, segundo dados do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (CEPEA-Esalq/USP). E esse envolvimento não está acontecendo.
Temos ainda outros desafios de ordem doméstica a serem equacionados, tais como melhorar nossa produtividade sem esquecer a questão da sustentabilidade, ampliar a oferta e facilitar o acesso à tecnologia às linhas de crédito, e, ainda, reduzir a carga tributária incidente sobre o setor, entre muitas outras coisas. Há soluções viáveis para resolver tudo isso, ainda que seja no longo prazo?
Realmente, há muita coisa a fazer. Como em um copo pela metade, nosso agro poderia ser meio cheio e, também, meio vazio. Como me disse Nilson Leitão, presidente do Instituto Pensar Agro (IPA), temos 88% das propriedades agrícolas do Brasil – mais de 4 milhões – com renda que vai do valor da Bolsa Família até R$ 2 mil. Ou seja, uma gigantesca legião de propriedades fora da tecnologia e do mercado, que vivem de subsistência ou de vendas eventuais em feirões locais. Então, precisamos de uma política de crescimento e desenvolvimento real do país. Precisamos de um objetivo para um PIB de US$ 6 trilhões, e não aceitarmos mais US$ 1,4 trilhão como agora, ou com dólar mais baixo em torno de US$ 2 trilhões. É simplesmente ridículo para uma nação com a riqueza invisível pronta para ser tangibilizada. Precisamos de cooperativismo agroindustrial de todos os portes, de micro agroindústrias ao lado de micro produtores, e de estudos para dobrarmos o tamanho do agribusiness, com agregação de valor e acesso a mercados mundiais. E, claro, de empregos e de renda, incluindo a bioeconomia.
Em outras palavras, temos diante de nós muitas arestas que precisam ser aparadas. E para ontem, não é mesmo?
Sem dúvida. Somos um paraíso de riquezas, só que a imensa maioria delas ainda ocultas. E isso só tem um responsável: o ser humano que não enxerga a transformação de tudo aquilo que o país nos oferece, e dá preferência a uma economia de misérias. Como dizia o jornalista Joelmir Betting, “o Brasil é maior do que o buraco”. Portanto, mesmo sem regência e sem maestros, a banda consegue tocar. Porém, daqui para frente, isso já não basta. Lideranças precisam parar de catar suas peças particulares no grande jogo de quebra-cabeças, e mostrá-las para os outros que estão, da mesma forma, atrás apenas das suas pecinhas no jogo, para que todos comecem a jogar juntos, a fim de podermos montar o único cenário possível, a reunião de todas as peças desse “design thinking“. Adicionalmente, temos que aproveitar o potencial gigantesco e imenso do biogás, a partir dos aterros sanitários urbanos e das propriedades agropecuárias. O gás natural é renovável. Assim, poderemos ter não só a energia mais limpa do mundo, como aquela que ainda limpa a atmosfera do tenebroso metano. Como propõem meus amigos engenheiros da MWM Geradores e Motores, podemos “biometanizar” todos os veículos do Brasil. O Brasil é riqueza pura. Só precisamos crer para ver.