Silvia Massruhá, chefe-geral da Embrapa Agricultura Digital, alinha os pontos e dá as pistas do porquê é tão premente a agricultura brasileira acelerar processo para se integrar – de corpo e alma, e cada vez mais – ao universo digital.
Marcus Frediani
Desde o dia 25 de novembro, data em que comemora 36 anos de fundação, a Embrapa Informática Agropecuária passou a se chamar Embrapa Agricultura Digital. A alteração do nome síntese da Unidade, aprovada pela diretoria-executiva da Empresa, representa um reposicionamento da marca do centro de pesquisa alinhada ao contexto atual de transformação digital na agricultura, que é seu foco de atuação.
Nesta entrevista exclusiva à Revista AgriMotor, Silvia Massruhá, chefe-geral da unidade fala, entre outros temas ligados à nova realidade da agricultura digital, sobre os objetivos dessa mudança, cuja proposta vai além – e muito – de uma simples troca de nomenclatura. Confira!
AgriMotor: Silvia, como você avalia o atual estágio da agricultura digital no Brasil?
Silvia Massruhá: Acompanhamos de perto um estudo feito por um órgão de pesquisa com grandes produtores que atuam principalmente no mercado de grãos, cana-de-açúcar e carne, que demonstrou que 85% deles adota, pelo menos, um tipo de tecnologia digital. Paralelamente, aqui mesmo na Embrapa, realizamos um levantamento com pequenos e médios junto com o SEBRAE, que revelou uma taxa de aderência praticamente idêntica, de 84%, apesar do fato, é claro, de que a realidade em que grandes e pequenos atuam, bem como capacidade de investimento de cada um deles sejam, obviamente, muito diferentes. Mas o dado mais interessante que a gente viu nessa última pesquisa, é que 95% dos entrevistados estão ávidos por novas tecnologias digitais, porque eles entendem que elas podem, e efetivamente vão agregar valor à cadeia produtiva. Então, respondendo à sua pergunta, o agronegócio brasileiro está avançando bastante e muito rapidamente no âmbito da inclusão digital. Mas, claro, o grande desafio atual nessa história toda é a questão do investimento.
Esse problema, entretanto, poderia ser disponibilizado com a abertura de novas linhas de crédito específica para tal finalidade. Como você vê a questão do acesso a elas nos últimos tempos? Essa dinâmica vem sendo suficiente, ou, digamos ideal?
Bem, estamos vendo cada vez mais bancos abrindo carteiras de financiamento. O BNDES e outros agentes têm fomentado programas para ajudar nessa questão digital Por sua vez, o Plano Safra deste ano inclui e incentiva as compras de equipamentos e máquinas atreladas à abertura de linhas de crédito. E até as empresas que ofertam essas ferramentas estão se esforçando para tornar o custo delas mais acessíveis para que os produtores possam financiá-las.
Contudo, continuamos a ter outros problemas de ordem prática que atrapalham avanço, como é o caso, por exemplo, o das deficiências ainda latentes na conectividade do campo, não é mesmo?
Esse, com certeza, é o segundo grande desafio. Um estudo do Ministério da Agricultura mostra que a cobertura na área rural ainda corresponde hoje a apenas 23%. Mas mesmo com todas as dificuldades relacionadas a tal expansão, a boa notícia é que o problema vem sendo resolvido. Temos dados, por exemplo, que demonstram que, em 2020, a conectividade na área rural aumentou mais do que na área urbana.
E como têm se comportado os avanços da mão de obra especializada, apta a aplicar as tecnologias digitais?
Esse também é um problema complicado. Hoje, o número de agrônomos que saem das faculdades aumentou bastantes, mas o que precisamos é de agrônomo mais “digitais”, que entendam e saibam utilizar essas novas tecnologias, bem como de profissionais de TI que também entenda o agro de maneira diferente daqueles que trabalham na indústria, dentro de um ambiente controlado. Às vezes, eles ficam meio perdidos, tamanha é a oferta de tecnologias digitais, sem saber para que lado ir, o que, sem dúvida, atraso o processo de evolução do agronegócio.
Como a Embrapa vem ajudando o homem do campo a vencer todos esses desafios?
Bem, a Embrapa, como se sabe, é uma empresa pública de pesquisa vinculada ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento do Brasil, o MAPA, que busca sempre auxiliar os produtores rurais nas mais diversas formas, procurando sempre se adaptar às novas realidades. Com esse objetivo, agora, no dia 25 de novembro – data em que, inclusive, em que comemoramos os 36 anos de fundação da Embrapa –, demos mais um passo importante nessa direção: a Embrapa Informática Agropecuária, centro que já estava sob meu comando, passou a se chamar Embrapa Agricultura Digital, mudança essa que transcende uma simples alteração de nomenclatura, para abraçar de forma mais efetiva a proposta de fortalecermos nossa presença no ecossistema de inovação e englobarmos de maneira mais ampla as vertentes de pesquisa e desenvolvimento da unidade. Essa ressintonia se tornou necessária porque nossa atuação abrange todos os elos das cadeias produtivas. E nestas, estamos assistindo diversas mudanças também. Na pré-produção – ou “antes da porteira –, por exemplo, as tecnologias digitais vêm apoiando a análise de big data para pesquisa de novos genes e modelos de risco climático. Softwares e aplicativos também já são utilizados pelo agricultor na etapa de produção para a gestão da propriedade. E na pós-produção, novas soluções estão sendo desenvolvidas para a certificação de produtos mais sustentáveis e a rastreabilidade até o consumidor.
Em outras palavras, com essa mudança de nome e objetivos, vocês estão se antecipando à nova realidade disruptiva do agro, que já vem acontecendo e que deverá se intensificar ainda mais no futuro, correto?
Essa é uma estada sem volta, como demonstra, por exemplo, um estudo recente da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), que afirma que as tecnologias digitais serão mais disruptivas e transformadoras no meio rural do que o experimentado no período da Revolução Industrial, e serão determinantes para o aumento da produtividade. Da mesma forma, o consumidor final, cada vez mais empoderado e preocupado com nutrição e saúde, desempenhará cada vez mais um papel mais importante. E serão as novas tecnologias quem darão a transparência exigida no processo de produção. E, logicamente, esse cenário de oportunidades também vai impor cada vez mais desafios, como a necessidade de ampliar a conectividade no campo e melhorar o acesso de todos a tecnologias de ponta. Mas é certo que esta agricultura cada vez mais suportada por conteúdo digital será fundamental para o Brasil seguir ampliando sua capacidade de produção com sustentabilidade ambiental, social e econômica.
E como a Embrapa Informática Agropecuária espera contribuir para turbinar esse desempenho? Quais os projetos que vocês já estão desenvolvendo nessa direção?
Bem, somos um centro de pesquisa, desenvolvimento e inovação em agricultura digital. Nos últimos três anos, lideramos mais de 40 projetos financiados pela Embrapa e por fontes externas. Entre eles, destacam-se pesquisas com drones para monitoramento das pastagens e do rebanho bovino, o uso de visão computacional e inteligência artificial na fruticultura de precisão, o desenvolvimento de ferramentas digitais para a avaliação do balanço de carbono e a aplicação da internet das coisas na irrigação inteligente e em sistemas de integração lavoura-pecuária floresta (ILPF), além da geração de aplicativos móveis de apoio à tomada de decisão, como o Zarc Plantio Certo e o Roda da Reprodução. Ou seja, todo um acervo de conteúdo para ajudar os produtores do agro e o Brasil a atender à demanda de aumento da produção agrícola com sustentabilidade, do ponto de vista econômico, ambiental e social. Enfim, a agricultura digital é um dos pilares estratégicos para adicionar valor ao sistema de produção agrícola. E, cada vez mais, as tecnologias digitais são fatores determinantes para agregar valor, trazer mais transparência e atender ao novo perfil de consumidor, muito mais exigente e preocupado com a nutrição e a saúde, como falamos aí atrás em nossa conversa,
Na live de apresentação da Embrapa Agricultura Digital, você também falou sobre o Corredor Agrotecnológico de São Paulo. O que vem a ser ele?
Trata-se de uma iniciativa que tem por objetivo impulsionar o desenvolvimento tecnológico, a partir de um estudo elaborado em parceria com o Ministério da Agricultura e a Wylinka – uma organização sem fins lucrativos que tem como propósito mobilizar e desenvolver instituições e ecossistemas para a inovação e o empreendedorismo –, que vai promover o desenvolvimento regional, com foco na conexão de hubs de abrangência nacional que integram pequenas e médias cidades. Assim, seus principais objetivos são fortalecer e expandir o desenvolvimento tecnológico e o crescimento do setor agropecuário no Brasil, dar relevância global como liderança em inovação e empreendedorismo em agricultura, compartilhar recursos presentes no território para impulsionar a inovação aberta e o empreendedorismo, e ser ponto de conexão global para empresas e agtechs, e link direto para acesso aos diferentes hubs brasileiros.
Quem assistiu o evento online também ficou sabendo de outras novidades, como o lançamento de um data center científico, para ampliar a capacidade de armazenamento de dados de pesquisa e o processamento de alto desempenho da Embrapa. Como vocês conseguiram viabilizá-lo e como ele irá funcionar?
Isso só foi possível graças à captação de recursos por meio de cooperação técnica com o Banco Central e de emenda parlamentar da bancada de São Paulo. Essa nova infraestrutura vai atender a outros centros de pesquisa da empresa, bem como universidades e institutos parceiros, a fim de garantir o acesso seguro à rede computacional da Embrapa. E os recursos da emenda também permitiram a criação do coworking, um espaço para receber parceiros e startups, em um ambiente propício à criação compartilhada de soluções tecnológicas e projetos inovadores.