Evitar a catástrofe climática global e garantir a segurança alimentar da população do mundo foram os temas principais do encontro. E o agronegócio brasileiro deu exemplos claros de que está no caminho certo para cumprir sua parte na conquista dessas metas.
Marcus Frediani
Realizada em Glasgow, na Escócia, entre os dias 1º e 12 de novembro, a 26ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP26) deu grande destaque à discussão do momento atual e dos próximos passos a serem dados rumo ao futuro do agronegócio no planeta, notadamente observados através das lentes da produtividade, porém, com maior destaque nos aspectos da sustentabilidade social e ambiental, na qual repousam seus principais compromissos no porvir da Humanidade. E, sem dúvida alguma, a intrincada equação em busca pela harmonia que envolve esse trinômio, propõe desafios titânicos, nem um pouco fáceis de serem revolvidos.
Essa constatação ficou mais do que clara quando, na quarta-feira, dia 10 de novembro – ou seja, apenas três dias antes da assinatura do acordo da cúpula –, a respeitadíssima ONG humanitária de proteção da infância e da adolescência Visão Mundial, divulgou um relatório bombástico intitulado “Mudança Climática, Fome e o Futuro das Crianças”, dando conta que 26% das crianças em todo o mundo sofreram de má-nutrição em 2020, e que a situação pode piorar se o quadro atual de mudanças climáticas não for revertido. Além, disso, o documento registrou com todas as letras que se isso não acontecer, a ligação atual entre as alterações no clima e o risco da fome nas populações levará mais de 300 milhões de pessoas ao redor do globo a enfrentar altos índices de insegurança alimentar até 2030.
Para comunidades em países em desenvolvimento, em especial na África e na América Latina, uma alta dependência da produção agrícola local se traduz um alto risco de devastação devido a eventos meteorológicos extremos. “Uma colheita que não dê certo pode ter resultados imediatos e consequências no comércio local, além de danos a longo prazo, limitando o acesso a alimentos nutritivos”, alerta o conteúdo do relatório, elaborado a partir de estatísticas de entidades como o Programa Alimentar Mundial e a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO).
Nessa toada, sem eufemismo e medir de palavras, o estudo fez questão ainda de evidenciar que enquanto os países economicamente mais ricos produzem a grande maioria das emissões de gases de efeito estufa, os eventos climáticos extremos impactam, desproporcionalmente, os países de baixa renda de maneira mais aguda. “Basta uma análise de números recentes para enfatizar a gravidade dessa trajetória: na comparação com 2019, houve um acréscimo de pessoas afetadas pela fome, em 2020, de 46 milhões África, 57 milhões na Ásia e cerca de 14 milhões na América Latina e Caribe. “Quase uma em cada três pessoas no mundo (2,37 bilhões) não teve acesso a alimentos adequados em 2020 – um aumento de quase 320 milhões de pessoas em apenas um ano”, revelou CEO e presidente internacional da Visão Mundial, Andrew J. Morley.
NECESSIDADE URGENTE
Mas, se há bastante trabalho a ser feito, a boa notícia é que também há muita disposição para realizá-lo. Essa é a conclusão que se tira do texto do relatório final do encontro, assinado pelos quase 40 mil representantes de cerca de 200 nações que participaram de seus intensos debates relacionados ao cumprimento da meta de limitar o aquecimento global. Em torno desse pacto, o documento da ênfase à urgente necessidade da redução da emissão de dióxido de carbono para manter a meta de não ultrapassar a temperatura global em 1,5°C em relação ao século 19, o que teria potencial suficiente para evitar uma catástrofe climática como calor extremo, ciclones tropicais e inundação por chuvas intensas, comprometendo, inclusive, a produção de alimentos. E a participação brasileira na cúpula foi especialmente elogiada, a partir da apresentação de toda uma série de estratégias e soluções tangíveis nesse sentido.
Tal registro amplamente positivo começou a ser feito já no segundo dia da COP26, com a participação do presidente da Embrapa, Celso Moretti no painel sobre “Carbono Orgânico no Solo – Oportunidades e Desafios”. Em sua apresentação, ele destacou a pesquisa da Embrapa Solos, que resultou no lançamento recente dos mapas de carbono orgânico dos solos brasileiros.
Os novos mapas permitem identificar áreas degradadas, quando a matéria orgânica não está mais presente e gerar mapas de potencial de sequestro de carbono, entre outras funções. O Brasil tem 36 bilhões de toneladas de carbono orgânico armazenados em seus solos, o que corresponde a 5% do estoque global. Assim, entender esse processo é parte da solução das mudanças climáticas, lembrando ainda que o carbono orgânico no solo contribui para a estruturação física desse recurso natural. Os solos com maior teor de matéria orgânica têm maior capacidade de fertilização e retenção de água, entre outros benefícios. Os mapas permitem, portanto, também identificar áreas com solos degradados.
“Trata-se de mais uma contribuição da ciência para a agricultura brasileira, de fundamental importância para a mitigação das mudanças climáticas. O Brasil ocupa o primeiro lugar entre os 15 países que detêm potencial para estocar carbono em nível global. Investir em estudos do solo é fundamental para a descarbonização da agricultura”, enfatizou Moretti. Complementarmente, o presidente da Embrapa expôs na ocasião o bem-sucedido exemplo dos investimentos que vêm sendo realizados país no âmbito da produtividade da soja, para evitar a ampliação das áreas cultivadas, mantendo, entretanto, os altos níveis de produtividade, aliados a outras estratégicas que irão permitir que o Brasil se torne uma economia neutra em carbono, com a forte participação do agro brasileiro.
PARTICIPAÇÃO DAS COORPERATIVAS
Corroborando o êxito dos esforços nessa direção, a apresentação de vários outros cases brasileiros fixaram nas retinas dos conferencistas da COP26 a visão de que o agronegócio verde e amarelo trilha uma trajetória sustentável, tecnológica e inovadora. Foi o caso, por exemplo, da participação da Organização das Cooperativas do Brasil (OCB) no encontro, na qual a gerente de Relações Institucionais da entidade, Fabíola Nader Motta, destacou que a iniciativa de seus associados no sentido de reduzir a emissão de metano por meio da geração de energia limpa por biomassa tem evitado a emissão de 40 milhõesm³ de gás metano por ano. Na ocasião, Motta também enfatizou a participação das cooperativas brasileiras na construção do Plano de Agricultura de Baixo Carbono (ABC), que visa à recuperação de pastagens, plantio direto, integração lavoura-pecuária-floresta, tratamento de dejetos, fixação biológica de nitrogênio e sistemas agroflorestais.
Citada como exemplo na conferência do clima, em Glasgow, a seu turno a Frísia Cooperativa Agroindustrial, com atuação nos Estados do Paraná e Tocantins – produzindo mais de 280 milhões de litros de leite, 28 mil toneladas de suínos e 830 mil toneladas de grãos – destacou, no mesmo painel, suas ações para reduzir e sequestrar as emissões de CO2 na atmosfera. “Nossa Unidade Produtora de Leitões (UPL) representa esse equilíbrio. A queima do biogás gerado pelos biodigestores garante o aquecimento térmico de 12 mil leitões por mês, reduzindo o consumo de energia elétrica e, consequentemente, os gases de efeito estufa. Além disso, a Frísia também utiliza em suas operações 100% de biomassa provenientes de áreas de reflorestamento, garantindo a sustentabilidade do negócio florestal”, pontua o coordenador ambiental de Frísia, Francis Bavoso.
RESPEITO AO MEIO AMBIENTE
Quem também está ainda comemorando o sucesso da participação brasileira na COP26 e o relatório final do encontro é a Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), que considera bastante positiva a decisão do governo brasileiro de se juntar a um grupo de mais de 100 países que se comprometem a reduzir em 30% as emissões de gás metano até 2030. Segundo a entidade, a meta acertada durante conferência impactará diretamente a atividade pecuária, responsável hoje por mais de 70% das emissões brasileiras. Um dos setores econômicos mais desenvolvidos do país, responsável por cerca de 45% das nossas exportações, o agronegócio vem buscando cada vez mais os caminhos da sustentabilidade.
“O compromisso global sobre o gás metano é, sem dúvida, um desafio que vai exigir muito investimento em tecnologia e inovação. Sabemos, no entanto, que o segmento é perfeitamente capaz de implementar as melhores práticas de aumento de eficiência e mostrar ao mercado internacional, uma vez mais, o altíssimo nível de nossa agroindústria. O pacto será ainda uma oportunidade de reforçar o respeito ao meio ambiente, que é tão caro aos nossos exportadores e assim ajudar a resgatar a imagem do Brasil como líder global em sustentabilidade”, faz questão de registrar José Augusto de Castro, presidente executivo da AEB.