Por Rodrigo C. A. Lima
As negociações para destravar a assinatura do Acordo União Europeia – Mercosul se intensificaram nos últimos meses, tendo como tema principal a agenda de comércio e desenvolvimento sustentável. As regulamentações europeias do Carbon Border Adjustment Mechanism (CBAM) e da Diretiva de Due Diligence que criam obrigações extraterritoriais e podem estabelecer barreiras não tarifárias ao comércio justificadas sob o manto de atingir as metas da UE no Acordo de Paris fortalecem os dissensos quanto a viabilidade do Acordo.
A troca de propostas informais, conhecidas como side letters, com sugestões para ampliar o Capítulo de Comércio e Desenvolvimento Sustentável do Acordo ganhou uma nova versão, desta vez apresentada pelo Brasil, representando o Mercosul. A proposta reforça o direito de regular já previsto no Acordo e a necessidade de cooperar para fortalecer políticas e ações em prol do desenvolvimento sustentável, reconhecendo as peculiaridades de cada país membro.
A abordagem cooperativa é enfatizada na nova proposta, ancorada na criação de um fundo de 12 bilhões de euros que contribua para implementar políticas ambientais e de redução de desmatamento nos países do Mercosul. Além disso, o texto reflete que a promoção de políticas ambientais e climáticas deve fortalecer o comércio universal, fundamentado em regras e não discriminatório.
Trabalhar em conjunto para promover comércio e desenvolvimento sustentável, ampliar a cooperação reconhecendo as respetivas políticas e medidas ambientais e trabalhistas, tendo em conta as diferentes realidades, capacidades, necessidades e níveis de desenvolvimento nacionais, respeitando-se o direito de regular em linha com obrigações internacionais assumidas pelos países em tratados, como é o caso do Acordo de Paris, é o pano de fundo do Acordo UE-Mercosul.
A nova proposta do Mercosul reforça esses elementos e busca criar, na prática, as bases para a cooperação, tendo o fundo como lastro para contribuir com o alcance de objetivos ambientais relevantes.
A nova proposta deve ser amadurecida nas negociações que estão em curso e, certamente, será objeto de muitas críticas. Afinal, as regulamentações que visam conter desmatamento e reduzir emissões de gases de efeito estufa nos produtos importados são medidas que se justificam diante das estratégias da UE no Acordo de Paris. Vale, no entanto, asseverar que essas medidas criam obrigações e impactos em terceiros países, o que pode ser discutível do ponto de vista de direito internacional e das regras da Organização Mundial do Comércio.
É relevante destacar que a lógica de fortalecer cooperação para alcançar objetivos ambientais ambiciosos se assenta em um princípio norteador da Convenção do Clima e do Acordo de Paris que são explicitamente referenciados no Acordo. Isso exige reconhecer que a responsabilidade comum, porém diferenciada que os países do Mercosul e da União Europeia possuem na agenda climática, reforça a proposta de criação de um fundo de financiamento para catalisar diversas ações que fomentem objetivos climáticos.
Ao invés de ensejar a criação de medidas unilaterais, que podem gerar resultados climáticos incertos, impactos socioeconômicos, barreiras comerciais e encarecer custos operacionais e de produtos, o que se propõe é “arregaçar as mangas” e iniciar uma nova fase de ações que permitam, de maneira mais efetiva, atingir objetivos ambientais e climáticos.
O tema de desmatamento é paradigmático. De acordo com a 5ª fase do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm), aproximadamente 75% do desmatamento na Amazônia ocorre em áreas públicas, motivado por uma série de atividades ilegais, como especulação e grilagem de terras, comércio de madeira, mineração, agropecuária, dentre outras. Aproximadamente 29% desse desmatamento ocorre em áreas de assentamentos rurais, com a conversão de áreas de até 100 hectares. A leitura de que todo esse desmatamento é causado pela agropecuária é uma simplificação conveniente de um problema multifacetado e complexo.
Medidas unilaterais tendem a simplificar os desafios e atingir resultados sub-ótimos. O gargalo de financiamento climático proveniente dos países desenvolvidos limita e ameaça a ambição das ações climáticas dos países em desenvolvimento. Esse tema fica cada vez mais latente a cada Conferência das Partes da Convenção do Clima e do Acordo de Paris, e certamente marcará as negociações na COP28, que ocorrerá entre 30 de novembro e 12 de dezembro em Dubai.
Acabar com o desmatamento ilegal é somente uma das ações climáticas do Brasil. Encontrar incentivos para evitar o desmatamento legal, fortalecer a implementação e cumprimento do Código Florestal, reconhecer a conservação de vegetação nativa associada a produção agropecuária, impulsionar a cadeia de restauração são outras ações climáticas tropicais que possuem um enorme potencial de mitigação.
Ampliar a matriz energética renovável para até 50% até 2030, o que coloca o Brasil como líder global no desafio de transição energética, e potencializar a produção e consumo de diferentes biocombustíveis (etanol de cana, milho, biodiesel de diversas fontes, biogás e biometano de dejetos) reflete um outro conjunto de ações.
Potencializar a agropecuária de baixo carbono, pautada pela adoção de inovação e tecnologias que permitem reduzir emissões e, sobretudo, fomentar adaptação para os sistemas produtivos é outro exemplo de ação climática brasileira que permite fortalecer a produção de baixo carbono. Negligenciar essa agenda e focar apenas em restringir a entrada de produtos associados ao desmatamento, excluindo produtores, é uma saída conveniente que menospreza soluções climáticas do Brasil que, pelas regras do Acordo UE-Mercosul, precisam ser reconhecidas.
Há que se reconhecer que os países do Mercosul adotam ações climáticas que permitem atingir reduções de emissões e, portanto, há ao menos uma equivalência mínima entre as ações dos países.
Vale lembrar, no entanto, que ações climáticas brasileiras emergem dos desafios inerentes ao desenvolvimento do país. Essa é a tônica da criação das contribuições nacionalmente determinadas (NDC) que os países precisam apresentar no Acordo de Paris. É salutar lembrar que desde antes do Acordo de Paris o Brasil reduz emissões e possui metas ambiciosas.
No entanto, é válido refletir que a UE tem a possibilidade de realmente contribuir com o alcance de metas climáticas nos países do Mercosul, enquanto desfruta dos benefícios que terá com o comércio gerado pelas concessões do Acordo. Ou pode intensificar as medidas unilaterais, encarecer o custo de diversos produtos, criar novos custos e burocracia para a importação e, de forma mais ampla, criar barreiras ambientais que pouco contribuem com ações climáticas efetivas.
Cooperação é a base do multilateralismo climático no Acordo de Paris e em acordos de comércio internacional como é o caso do Acordo UE-Mercosul. Colocar a cooperação em prática depende de compromissos verdadeiros e a nova proposta encaminhada pelo Brasil reflete um passo mais do que acertado nessa direção.
É relevante ponderar qual caminho pode trazer mais benefícios ambientais e alcançar resultados climáticos: as medidas unilaterais ou medidas e ações que permitam usar o Acordo UE-Mercosul como plataforma para ações de cooperação climática que podem gerar significativos benefícios climáticos? Transformar o comércio internacional em indutor de desenvolvimento é um desafio global. A bola, desta vez, está com os europeus.
Rodrigo C. A. Lima é membro do CCAS (Conselho Científico Agro Sustentável), sócio-diretor da Agroicone. Advogado, Doutor em Direito das Relações Econômicas Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), possui 20 anos de experiência em comércio internacional, meio ambiente e desenvolvimento sustentável no setor agropecuário e de energias renováveis. e-mail: rodrigo@agroicone.com.br
Fonte: CCAS