A área total preservada pelos produtores rurais no Brasil supera a superfície individual de 185 dos 195 países existentes.
Evaristo de Miranda*
Ninguém, nenhuma categoria profissional, nem o Estado Brasileiro, preserva mais vegetação nativa do que os produtores rurais. Mais de um quarto do território nacional (26,7%) está dedicado a preservar a vegetação nativa, no interior dos imóveis rurais. Muitos atacam os agricultores como sendo vilões do desmatamento. Na realidade, quem mais preserva as florestas e a biodiversidade brasileira é o mundo rural, como revela um estudo atualizado da Embrapa. Líder mundial da proteção ambiental em terras públicas, o Brasil também é o primeiro em preservação em terras privadas.
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Nunca havia sido mapeado quanto os milhões de produtores rurais preservam de matas e florestas em seus imóveis. O conhecimento preciso das áreas preservadas pela agricultura só foi possível com o advento do Cadastro Ambiental Rural (CAR). O CAR é um registro público, eletrônico, nacional, fiscalizado e obrigatório para todos os imóveis rurais, por exigência do Código Florestalde 2012.
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No registro do CAR, cada agricultor marcou o perímetro de seu imóvel em imagens de satélite com 5 metros de e detalhes, fornecidas pelo governo federal. E delimitou a localização de remanescentes de vegetação nativa, áreas de preservação permanente, reserva legal, nascentes, rios etc. num total de 18 categorias. É como se no imposto de renda, além de declarar os dados de um imóvel, o contribuinte fosse obrigado a anexar a planta e detalhar a posição de todos os móveis e objetos ali existentes. No mundo urbano seria inaceitável tal ingerência na vida do cidadão. No mundo rural, assim foi. A quase totalidade dos produtores brasileiros já se registrou no CAR.
A Embrapa Territorial reuniu e analisou em seus computadores os dados de cada um dos 5.992.323 imóveis rurais, inscritos validamente no CAR, até 8 de fevereiro de 2021, totalizando 460.216.824 hectares. Centenas de milhões de polígonos geocodificados, com bancos de dados associados, foram trabalhados por modelos estatísticos e matemáticos, desenvolvidos pela Embrapa em Campinas. Os dados da preservação de cada imóvel foram agregados em mapas na escala municipal, estadual e nacional. Essas informações cartográficas e numéricas estão disponíveis no site da Embrapa.
As áreas dedicadas à preservação da vegetação de todos os imóveis rurais foram mapeadas e somadas em cada um dos 5.568 municípios brasileiros. A espacialização dos dados do CAR trouxe uma visão inédita das áreas de vegetação nativa, de diversas naturezas, preservadas em terras privadas, no interior dos imóveis rurais do Brasil.
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Os imóveis rurais dedicam à preservação da vegetação nativa 2.266.135 quilômetros quadrados, ou 26,7% do Brasil. Em média, 49,2% do imóvel rural no Brasil está dedicado à preservação ambiental. Esse valor é maior na Amazônia e menor na Região Sul, por exemplo, por força da lei. O agricultor brasileiro é o único no mundo a utilizar, em média, apenas metade de sua propriedade. A outra metade é preservada, sem nenhum subsídio ou compensação. As manchas brancas observadas no mapa das áreas preservadas, sobretudo na Amazônia, são terras públicas protegidas (unidades de conservação e terras indígenas) ou áreas devolutas.
Para honra e glória da biodiversidade planetária, a área total preservada pelos produtores rurais no Brasil supera a superfície individual de 185 dos 195 países existentes. Das nações do mundo, 95% têm individualmente um território inferior ao preservado pelos agricultores brasileiros. Apenas dez países têm área maior. Projetada sobre a Europa, a área de vegetação nativa nos imóveis rurais equivale à soma da superfície de 14 países daquele continente.
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A imensa maioria dessas terras preservadas são privadas. Elas foram compradas e têm valor. A Embrapa Territorial estimou o valor do patrimônio fundiário imobilizado pelos produtores em prol do meio ambiente em cada município, em função de preços da terra. O valor total dessas terras, contabilizadas uma a uma, ultrapassa R$ 2 trilhões. Qual categoria profissional no Brasil imobilizou mais de R$ 2 trilhões de seu patrimônio privado para preservar a vegetação nativa? Quem no setor público ou privado? Quem no mundo urbano? Ninguém. Só o agricultor.
E o produtor rural ainda deve cuidar da área preservada. Se alguém roubar a madeira, se ocorrer um incêndio ou se o gado a invadir, ele receberá pesadas multas ambientais e poderá ter a produção embargada. Os produtores pagam a construção de cercas, as medidas de isolamento dessas áreas, a criação e a manutenção de aceiros contra o fogo e a vigilância — até armada em alguns casos. Eles agem como guardas-florestais benevolentes. E gastam bilhões de reais por ano em todo o país para restaurar e conservar as áreas de vegetação nativa no interior de seus imóveis rurais.
Quanto os agricultores recebem por esse esforço patrimonial e financeiro? Nada. Qual a retribuição pelos serviços ambientais prestados por essas áreas? Nenhuma. E recebem críticas e mais críticas de quem ainda acha pouco. Para estes, os agricultores deveriam fazer mais e ir além das exigências da legislação ambiental (sic), uma das mais severas do planeta.
Pagar por esses serviços ambientais seria viável, como prevê a lei federal? Recursos financeiros ajudariam muito a regeneração e a manutenção da vegetação. Pagar R$ 100 por hectare/mês pelos serviços ambientais dessas áreas preservadas representaria um desembolso anual da sociedade urbana para o mundo rural da ordem de R$ 272 bilhões. De onde sairia tal recurso? Ele seria quase dez vezes o gasto anual do Bolsa Família. Daí, então, melhor não gastar nada com o cuidado e a vigilância desses parquezinhos nacionais privados, decretados por lei federal nos imóveis rurais.
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O bônus dos serviços ambientais das áreas preservadas fica para o bem de todos e felicidade geral da nação, das vilas e cidades, urbe et orbi. E o ônus da preservação fica para o produtor rural, o vilão do meio ambiente. Isso, sim, é uma vileza. É bom lembrar: a palavra vilão evoca o morador da cidade, da vila. Não o do campo. É tempo de conhecer e reconhecer o papel decisivo dos agricultores na preservação ambiental do Brasil.
*Evaristo de Miranda é doutor em Ecologia e chefe-geral da Embrapa Territorial.
Nota do Editor. Esta matéria foi apesentada originalmente em: https://www.abim.inf.br/agricultura-lidera-a-preservacao-ambiental/ e posteriormente apresentada na https://revistaoeste.com/revista/edicao-63/agricultura-lidera-a-preservacao-ambiental/ onde o autor é também colunista.