Por Décio Luiz Gazzoni, engenheiro agrônomo, pesquisador da Embrapa Soja, membro do Conselho Científico (CCAS) Agro Sustentável e da Academia Brasileira de Ciência Agronômica.
A população mundial continuará crescendo, até 2050. Até lá aumentará também a renda per capita, em especial os recursos das famílias disponíveis para aquisição de alimentos. Assim, haverá uma crescente procura de produtos agrícolas, como alimentos, fibras e madeira, o que representa um grande desafio ambiental a ser equacionado. Conforme o Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC), para manter o aumento da temperatura global abaixo de 1,5°C impõe-se o rápido fim do desmatamento líquido e, ao reverso, o aumento do reflorestamento, além da redução da velocidade de expansão da fronteira agrícola.
Em decorrência da conversão de habitats nativos para diversas atividades econômicas, está ocorrendo uma extinção de espécies, afetando a biodiversidade e os serviços ecossistêmicos.
Os cenários que satisfazem as necessidades alimentares futuras e os níveis esperados de aumento da procura de fibras e madeira – sem conversão adicional ou perturbação líquida das florestas mundiais – são provavelmente possíveis, mas altamente desafiantes. Isso inclui aumentar a produtividade sustentável da agricultura, recuperar terras, restaurar florestas e outros habitats nativos para fornecer biodiversidade e armazenar carbono, o que exige implementar ações sem precedentes, baseadas em progresso tecnológico e determinação política.
Expansão da área agrícola
Um relatório produzido pelo World Resources Institute (bit.ly/4brVqmq) demonstra que quase metade de todas as terras do planeta, com algum grau de aptidão agrícola, já foram convertidas, e 60-85 por cento das florestas restantes sofreram alguma forma de interferência. Essas mudanças são os principais impulsionadores da perda de biodiversidade e contribuíram com 25-33% das emissões de carbono lançadas à atmosfera, em períodos recentes.
De acordo com os dados da Global Forest Watch (gfw.global/3PugoXJ), desde o ano de 2000 ocorre, anualmente, uma perda de 15 Mha de cobertura florestal. Parcela ponderável é convertida para agricultura, conforme mostra um estudo com dados de satélite, conduzido pela equipe do prof. Potapov (Universidade de Maryland), publicado na revista Nature (bit.ly/4dze2T9).
O estudo mostra que a conversão líquida da vegetação nativa remanescente, para uso por culturas anuais, aumentou de cerca de 5 Mha/ano (2004 a 2007) para 10 Mha/ano (2013 a 2019). Ademais, os autores observaram expansão de culturas perenes superior a 1 Mha/ano. Devido às limitações nas leituras dos satélites nas áreas de pastagens, a sua expansão é incerta, o que levou os autores a sugerirem que mais carbono está sendo emitido e mais biodiversidade está sendo perdida, devido à conversão de áreas nativas para pastagens.
Se nada mudar…
… a crescente procura de alimentos deverá conduzir à incorporação de mais 600 Mha à agricultura, entre 2010 e 2050, em virtude do aumento estimado de 50% na demanda de produtos agrícolas. No cenário elaborado pelo WRI (bit.ly/4dscnPf), a demanda de calorias crescerá 56% durante esse período, e a procura de carne e lacticínios em 68%.
No cenário do WRI, se a produtividade da agropecuária continuar crescendo nas taxas históricas (1960-2010), as terras agrícolas se expandirão em cerca de 200 Mha (5 Mha/ano) e as áreas de pastagens em 400 Mha, entre 2010 e 2050. Esses 600 Mha de expansão representam quase o dobro do tamanho da Índia.
De acordo com o cenário, a expansão agrícola à custa das florestas e das savanas, juntamente com a degradação contínua das turfeiras, libertaria cerca de 240 GtCO2 eq na atmosfera nos próximos 40 anos, ou 6 GtCO2 eq por ano. Esses valores representam quase 40% do total de emissões de dióxido de carbono, calculados para limitar o aquecimento a 1,5°C – 2°C (bit.ly/4bsJY9V), entre 2010 e 2050.
Agir já
O Brasil pode se tornar o grande modelo para outros países, a fim de evitar um colapso do tipo desastre anunciado. Em nosso país, preservamos quase dois terços da vegetação nativa do país, um quarto dela nas propriedades agrícolas, à custa do agricultor. Utilizamos apenas 7% do território para produção agrícola. Temos opções altamente sustentáveis, como tecnologia que incrementa a produtividade líquida da agropecuária, em altas taxas; a utilização da mesma área para duas ou três safras/ano; o uso de tecnologias como a integração lavoura-pecuária-floresta; e a recuperação de áreas degradadas, entre outras.
Poucos países de importância agrícola possuem tantas alternativas. E aí está o busílis da questão: aplicando as receitas acima, o Brasil se torna cada vez mais competitivo no mercado internacional de produtos agrícolas. E isto gera uma reação muito forte de concorrentes de outros países – como os protestos dos agricultores europeus, ocorridos no final de 2023 e início de 2024, pedindo restrição às exportações brasileiras e a não assinatura do acordo comercial com o Mercosul.
Nesse caso o desafio não é mais tecnológico, é geopolítico. Convencer a Europa e outros países protecionistas a abrirem mão de subsídios e protecionismos, para o bem da Humanidade será uma tarefa árdua. Assim como será difícil convencer consumidores europeus – com renda per capita superior a US$50.000,00 – que pagar mais caro por produtos da agricultura orgânica custa mais caro ainda para o mundo, pois a produtividade da agricultura orgânica pode ser até 54% inferior à convencional (bit.ly/44zq8HK), exigindo o dobro de expansão de área para obter a mesma quantidade de produto agrícola.
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Fonte: CCAS